Respeito, direitos, oportunidades, inclusão social… A luta dos deficientes continua
(Revista Teen- IPA. 10/2001)
Ana Carolina H. Bragança, 14 anos, Elaine Cristina S. Andrade, 15 anos
No ponto, esperava pacientemente por um ônibus no qual pudesse entrar. As pessoas em volta o olhavam com pena. Sentia raiva daquilo, mas nada podia fazer. Finalmente o ônibus chegou. Para subir, a dificuldade de sempre. O motorista não demonstrava paciência para com a sua condição. Venceu o desafio com a ajuda de uma moça que se dispôs a empurrar a cadeira de rodas.
Situações como essa são comuns no dia-a-dia dos deficientes físicos. Eles são muitos, mas não sabemos exatamente quantos – o Brasil é pobre em estatísticas nessa área (veja Estatísticas). Estima-se que haja pelo menos um milhão de adolescentes e jovens portadores de deficiências. A deficiência física corresponde a uns 20% desse total, sendo o restante distribuído entre a deficiência mental (50%), a auditiva (15%), a visual (5%) e a múltipla (10%).
Obstáculos e preconceitos
Apesar de haver tantos deficientes físicos entre nós, poucas adaptações para facilitar a sua vida foram realizadas até agora. Nas cidades, por exemplo, não são todos os ônibus que suportam pessoas em cadeiras de rodas. Subir aquele degrau gigantesco com muletas, então, nem pensar. E as rampas? Não estão em todos os lugares, nem mesmo em órgãos públicos. A falta do movimento de um braço, uma mão, um dedo pode ser a diferença no mundo de hoje.
Fábio Memoli, 21 anos, sabe disso. Fabio ficou com o braço direito totalmente paralisado num acidente de trânsito em que perdeu seus pais. Tinha apenas um ano de idade. Desde então teve de vencer preconceitos, constrangimentos, limitações. "Em uma entrevista, chegaram a me perguntar se eu sabia escrever", conta o estudante. Detalhe: Fábio está no quarto ano da faculdade de Ciências Contábeis e há dois anos faz estágio em um banco.
A deficiência física está associada a duas principais causas: à lesão do cérebro no período pré ou pós-natal (um terço dos casos), quando as células nervosas estão se formando, ou a um acidente traumático (dois terços) no qual alguma parte do corpo é danificada e perde seus movimentos. Essas causas ambientais (acidentes de trânsito, de trabalho, quedas, violência) hoje são as mais comuns. Principalmente entre os jovens, que costumam turbinar o seu dia-a-dia com atividades arriscadas. Marcelo Rubens Paiva, hoje famoso escritor e jornalista, fraturou a coluna e ficou paraplégico aos 18 anos, quando se atirou ao mar de um penhasco e bateu numa pedra. Seu drama foi descrito no romance autobiográfico Feliz Ano Velho, que virou best-seller e depois também filme e peça de teatro.
Acidentes de trânsito como o sofrido por Fabio estão entre as causas mais comuns de deficiências físicas, mas imprudências juvenis como a queda que deixou Marcelo para sempre preso à cadeira de rodas é um outro exemplo de situação que atinge muitas crianças e adolescentes. "Brincadeiras inocentes podem modificar a vida de uma pessoa", alerta Priscila da Silva, 16 anos. Quando tinha 6 anos, a garota foi ferida na coluna pelo irmão que brincava com um garfo. A ferida infeccionou e o abcesso atingiu a medula – Priscila perdeu parte da sensibilidade nas pernas e só consegue andar com órteses e muletas, mas utiliza cadeira de rodas a maior parte do dia. "Saio muito pouco, fico muito sozinha", conta Priscila. "Sinto-me feliz, mas em alguns momentos fico trsite porque gostaria de ser diferente. Tento viver o melhor possível, mas percebo que me fechei para as pessoas."
Os preconceitos, a falta de oportunidades para o lazer e para a vida social e afetiva, o isolamento, os conflitos familiares – são muitoas as dificuldades a ser vencidas. Superar pequenos desafios do cotidiano pode ser muito penoso – o deficiente muitas vezes depende dos outros para conseguir realizar determinadas atividades. A vontade de ser como os outros, de poder lidar com os sentimentos que nesta idade estão à flor da pele, em alguns casos podem levar até mesmo à depressão. Afinal, não é tão fácil para o adolescente portador de deficiência lidar com sua auto-estima, sua sexualidade e seu próprio corpo.
As escolas falham em seu dever
Mesmo as escolas, que deveriam entender e acolher os deficientes, estão pouco preparadas e muitas vezes acabam excluindo o jovem "diferente". Para Claudia Werneck, jornalista carioca que dedicou muitos anos ao estudo dessa realidade, as escolas não ensinam as crianças a acolher seus colegas deficientes de modo que façam parte do seu universo. "Quem não entra na memória afetiva de sua geração não entra nos projetos de sua geração. O jovem com deficiência acaba sendo o exótico do grupo, e isso é uma deturpação", afirma Claudia, que já publicou 8 livros sobre os deficientes e a inclusão social. "Quando o jovem, mais tarde, encontra alguém da sua idade com deficiência, ele terá dificuldades, sim, mas não exatamente em tratar esse outro jovem bem, com carinho, com educação. Difícil será incorporá-lo aos seus sonhos de amor, de sexo, de trabalho, de lazer", acredita a jornalista. (Leia a Entrevista).
Para Luana Sanches, de 13 anos, a escola representou um desafio que demorou para ser vencido. Luana sofreu falta de oxigenação cerebral durante o parto e ficou com seqüelas neurológicas nas pernas; ela se locomove com muita dificuldade, usando muletas e às vezes cadeira de rodas. "Quando eu entrei na escola foi muito difícil, alguns tinham medo de mim, não sabiam se aproximar, outros se aproximavam e ficavam cuidando de mim", lembra a garota. Mas esse "cuidar" nem sempre é bem-vindo. O deficiente quer se sentir integrado à turma, ele detesta ser tratado como "o diferente". "É muito chato quando uma pessoa fica te cercando de cuidados. Essa mentalidade tem que mudar. Eu não gosto de ser tratada como bonequinha de porcelana, cercada de cuidados como se fosse uma peça de cristal", reclama Luana. (Leia a Entrevista).
Apesar de todos os obstáculos, são muitos os deficientes que se destacam em algumas áreas e nos mostram que são tão ou até mais capazes do que pessoas fisicamente saudáveis. Um bom exemplo está no esporte: o Brasil trouxe para casa mais medalhas e reconhecimento das Para-Olimpíadas do que através das Olimpíadas em si. Fábio, contando somente com o seu braço esquerdo, começou jogando tênis, depois praticou polo aquático, futebol e handbol como goleiro e hoje faz parte da equipe de para-atletas de natação na USP.
Luta pela inclusão social
APAE (Associação de Pais e Amigos do Excepcional), AACD (Associação de Apoio à Criança Defeituosa) em São Paulo, Hospital Sara Kubitchek em Brasília – muitas são as instituições de apoio ao deficiente que o atendem de modo global, desde a atenção médica e fisoterapêutica, até o apoio psicológico, tão importante para a auto-estima. O Centro de Reabilitação do Hospital das Clínicas (São Paulo), por exemplo, oferece gratuitamente o acesso a fisioterapeutas e psicólogos. Fábio valoriza muito o apoio que recebeu no Centro: "Eles me ensinaram a viver com um braço só".
É de extrema importância também que a própria sociedade aprenda a cultivar os valores de respeito e igualdade. O preconceito para com o deficiente é algo inaceitável em uma época na qual luta-se, por exemplo, pela diminuição da desigualdade social e pelos direitos de várias outras minorias. Afinal, um portador de deficiência física é alguém plenamente capaz intelectualmente. O apoio e o respeito daqueles que estão em sua volta reforçam a confiança do deficiente em si mesmo.
Em suma, o deficiente vem ganhando seus direitos no braço. Ainda falta muito para que criemos uma sociedade ideal, tanto em termos de infra-estrutura quanto em termos de valores. "Nós temos avançado, sem dúvida. De um ano para cá o Ministério Público decidiu abraçar a causa da inclusão de crianças, jovens e adultos com deficiência, e hoje vemos todo o Brasil se mobilizando", comemora Claudia Werneck. "Mas sempre há os que acreditam naquela tese de que o problema é da família, e não da Nação. O grande desafio é a mudança de mentalidade."
Saiba mais:
Coordenadoria Nacional para Integração de Pessoa Portadora de Deficiência
http://www.mj.gov.br/sndh/corde_sicorde.htm
Associação Desportiva para Deficientes
http://www.add.com.br
Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência
Associação de Apoio à Criança Defeituosa
http://www.aacd.org.br
Centro de Documentação e Informação ao Portador de Deficiência
http://www.cedipoid.org.br[/vc_column_text][/vc_column]
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