Multiplicadores de Cidadania
Alex Alcântara, da Agência Aracaju de Notícias
Nos médios e grandes centros urbanos do Brasil, diariamente milhares de pessoas morrem de fome. Números imprecisos assim não conseguem tirar o sono de ninguém. Muito menos de jovens.
Mas 122 adolescentes do município de Aracaju vêm perdendo algumas horas de sono por dia para mudar a realidade da comunidade em que vivem. Eles estão aprendendo, na teoria e na prática, que se morre muito mais no país por falta de oportunidades.
Esses adolescentes participam do Programa Agente Jovem, um projeto de inserção social, desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Aracaju, em parceria com o Governo Federal, que visa capacitar jovens carentes, entre 15 e 17 anos, para serem agentes comunitários.
“Somos multiplicadores de cidadania”, definiu com propriedade o garoto Évio Vieira dos Santos, de 15 anos. Évio participa do grupo do bairro Santa Maria, antigo Terra Dura. Em Aracaju, o programa é desenvolvido em duas áreas especificas: duas turmas no Santa Maria e três no bairro Porto Dantas.
Esses novos grupos estão em atividade desde março deste ano, e o número de adolescentes é o dobro em relação ao ano passado. Em ambas as áreas, as cinco turmas, que não ultrapassam 27 alunos, dividem-se pela manhã e pela tarde. Dos 122 jovens, 22 vieram do PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – também desenvolvido pela Prefeitura de Aracaju, com crianças de 7 a 14 anos.
Os Agentes Jovens vêm aprendendo a enxergar a vida de forma diferente. Aprendem que é possível, a partir das pequenas ações, mudar a realidade em que vivem. No programa, discutem e depois levam para a comunidade noções de cidadania, relações interpessoais, ética, e o respeito às diferenças.
“Tudo o que aprendem na teoria é aplicado no dia-a-dia”, disse a coordenadora do programa, a pedagoga e assistente social Silvana Maria dos Santos. “Nosso ponto de partida é que a cidadania começa primeiro por você. Somente a partir desse principio podemos levar ações solidárias aos outros”, reforça.
Além de levar conceitos que reforcem a auto-estima, o projeto insere questões específicas como o conhecimento da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e conhecimentos básicos de saúde.
Investimentos – Assumir responsabilidades é o que cada Agente Jovem aprende quando entra no programa. Cada um recebe uma bolsa mensal do Governo Federal de R$ 65. Ele próprio vai ao banco retirar a quantia. Muitos dão metade a família e ficam com o restante. “Com parte do dinheiro, eu compro passes escolares”, afirmou Évio Vieira, que mora no Santa Maria e estuda a 5ª serie do ensino fundamental no bairro São Conrado.
A Prefeitura de Aracaju, através da SMASC – Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania – , entra com a manutenção e recursos humanos. Onze profissionais da prefeitura, incluindo os estagiários, compõem a equipe que realiza o trabalho diário com os jovens. “O fardamento, a merenda, o material didático e todo o apoio técnico somos nós que damos. É um dos programas mais bem sucedidos voltados para essa faixa etária que desenvolvemos em Aracaju”, afirmou a secretária de Assistência Social, Conceição Vasconcelos.
Mas a bolsa mensal, que dura apenas um ano para cada turma, não é a principal motivadora do grupo. Os jovens não associam o programa apenas ao recebimento de salário. É visível a satisfação que demonstram em poder desenvolver um trabalho voluntário. “Estou aprendendo a respeitar mais os outros e a conviver com as diferenças que existem entre as pessoas”, diz Luciano dos Santos Júnior, 16 anos, que afirma gostar mais, dentre as inúmeras atividades que realiza, dos debates que acontecem diariamente. “Gosto de ouvir e de dar a minha opinião”, reforça. Já Priscila de Santana, 16 anos, não tem preferência. “Os trabalhos com cartazes, o teatrinho que fazemos e o dia de lazer. Tudo me agrada, sobretudo, porque nada é forçado”, diz.
O objetivo do programa, dentre outros, também é ser um complemento à educação formal. Nele, os adolescentes realizam as mais variadas atividades sócio-educativas. E o importante é que tudo é debatido, sem imposição. Quem conhece o Centro Comunitário Integrado Berenice Campos, mantido pela Prefeitura de Aracaju, localizado no Porto Dantas, onde funciona uma das unidades do Agente Jovem, reconhece a importância do projeto. Na sala onde desenvolvem as tarefas, sempre estão recortando jornais e revistas ou ensaiando uma peça teatral. As paredes estão repletas de colagem. Chamam a atenção cartazes sobre racismo, globalização, saúde, drogas e um acordo de convivência feito por eles. Dentre as regras de conduta que eles estabeleceram, constam a limpeza da sala, respeito ao colega e algumas sanções. Quem faltar aos encontros, sem justificativa, paga uma taxa de R$ 0,50.
Recentemente, eles próprios conduziram a reunião dos pais que acontece pelo menos uma vez por mês. De forma bem humorada, os pequenos multiplicadores de cidadania ensinaram aos seus familiares noções de ética. Na semana da criança, tomaram conta dos garotos da creche e da pré-escola. “Nada é imposição dos orientadores sociais. Todas as ações são discutidas. O acordo de convivência foi criado a partir da discussão das regras sociais, o que são, para que servem e o que pode ser mudado”, afirmou Silvana dos Santos. Nas escolas públicas do Porto Dantas, ensinam para outros alunos, através de peças teatrais, o conteúdo das aulas e tarefas diárias.
Integração Familiar faz parte do programa
Todos os programas, desenvolvidos pela Prefeitura de Aracaju, de atendimento à criança e ao adolescente, estão diretamente vinculados ao núcleo familiar. Os orientadores procuram sempre fazer um trabalho que integre o jovem e os pais no programa. Visitas também periódicas às casas dos pais são realizadas. A grande maioria das mães comparece às reuniões e diz estar satisfeita com os resultados.
A mãe de Évio Vieira, Graciete Vieira dos Santos, 36 anos, moradora do Santa Maria, não poupa palavras. “Meu marido ganha menos de um salário mínimo como vigia e o salário dele não dava para pagar o transporte de Évio. Estou muito feliz porque meu filho investe parte do dinheiro na compra de passes e sobra um pouco para ele comprar uma roupinha. Mas o mais importante é que ele se tornou um menino mais solidário”, afirma.
Em alguns casos mais extremos, o dinheiro do Programa serve para o sustento de toda a família. Sem marido há dois meses, e com cinco filhos para criar, Hildete Gama dos Santos, 37 anos, não esconde a situação. De voz grave, monossilábica, ela diz que o Agente Jovem é a única forma de sobrevivência no momento. “Ainda não consegui resolver o problema da pensão familiar porque o INSS está em greve”, diz. Além do dinheiro da bolsa, somente o filho mais velho, de 19 anos, a ajuda financeiramente. “Estou gostando muito porque antes meu filho não fazia nada pela manhã. E agora está aqui aprendendo coisas novas”, diz.
Daqui a um ano, os 122 jovens que hoje ensaiam, a passos lentos, pequenas mudanças na comunidade e na própria vida, não mais receberão a bolsa do agente Jovem e cederão a vaga para outros colegas. Muitos não sabem ao certo o que serão no futuro profissional. Mas uma coisa, pelo menos, está muito bem definida na vida de cada um deles: em breve, serão multiplicadores de ações solidárias e de esperança.[/vc_column_text][/vc_column]
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- Multiplicadores de Cidadania – Agência Aracaju de Notícias