[vc_row][vc_column width=”2/3″][vc_column_text]

Por Igor Matheus, da Agência Sergipe de Notícias

Quando foi desafiado a participar do concurso histórico-literário ‘Caminhos do Mercosul’, desenvolvido pelo Ministério da Educação da Argentina, o estudante sergipano Flávio Igor Torquato Santos Santana, 16 anos, aluno do Colégio Estadual Vitória de Santa Maria, mal sabia no que estava se metendo. Primeiro: não ia dar tempo. “Eu só tinha 20 dias pra fazer um trabalho complexo de 12 páginas, e nunca na vida havia feito algo tão grande”. Segundo: não existia nada sobre o tema que ele escolheu em praticamente lugar algum. “Não achei nada na biblioteca da escola, encontrei pouquíssima coisa na biblioteca pública da cidade e na internet tudo o que achei estava em espanhol”. Terceiro: lá pelas tantas, com o trabalho pela metade, o pendrive que o continha fez o favor de sofrer um apagão. “Quando tirei do computador, tudo tinha sumido”. Quarto: apenas seis estudantes seriam selecionados. Seis dentre todos os alunos de escolas públicas e privadas do Brasil inteiro. “Era difícil demais”.

E era mesmo. Tudo estava pronto para terminar com um fúnebre ‘não foi desta vez’. Tudo estava armado para se converter em mais uma daquelas lições que se aprendem nas derrotas. Mas foi no fim da semana passada que um telefonema mostrou que, daquela vez, era Flávio quem iria dar uma lição. “Ficamos absolutamente sem reação quando ouvimos o resultado. Foi muito impactante”, contou a professora de História, Josiene Santos da Conceição, uma das orientadoras do estudante no trabalho. “Só ouvíamos o pessoal gritando no pátio da escola que alguém tinha ganhado alguma coisa. Mal sabíamos o que era”, detalhou Maria de Lourdes Santos Almeida, professora de Literatura e outra orientadora no desafio.

E eis que aquele menino franzino e compenetrado do bairro Santa Maria, filho de doméstica, que fez toda sua vida escolar em escola pública, que só tinha acesso à internet e a computador na escola, foi autor de um dos seis melhores trabalhos do Brasil sobre o Bicentenário da Ação Libertadora na América do Sul. “Fiquei com aquela sensação… de missão cumprida, sabe? De que fiz algo importante”, disse ele. A conquista deu a Flávio, aos outros cinco estudantes classificados no Brasil e a alguns outros jovens sul-americanos o direito de ir a Buenos Aires, com tudo pago pelo ministério argentino, entre os dias 8 e 16 de dezembro.

‘Desistir, nunca’

A aventura do jovem sergipano começou, na verdade, com suas professoras Josiane e Maria de Lourdes. Foram elas que receberam a notícia de que o Ministério de Educação da Argentina, em parceria com o Setor de Educação do Mercosul, promoveria um concurso de trabalhos para alunos do ensino médio sobre o processo de independência da América do Sul. Uma viagem à capital argentina com tudo pago como prêmio era mais do que tentador. Mas não se poderia dizer o mesmo dos três subtemas postos à escolha, um tanto obscuros para o atual currículo educacional brasileiro. Mesmo assim, as duas resolveram pensar em alguém para assumir a tarefa – provavelmente a decisão mais rápida a que já haviam chegado.

“Tinha que ser o Flávio. Desde que ele chegou na escola, mostrou ser um aluno dedicado, que gosta de participar, que tem potencial, que seria capaz de produzir um trabalho desse nível. Ele gosta de ir à biblioteca, um hábito muito difícil de se encontrar em um jovem, e lê muito”, definiu Josiane. A professora Maria de Lourdes assina embaixo. “Hoje em dia os alunos só querem saber de lan house, de jogos de computador. Ninguém vê mais jovens com livro na mão. E ele chamou a atenção justamente por ter esse hábito, tão raro. Ele sempre dialogava, interagia, conversava comigo sobre os livros que lia e até me emprestou alguns. Graças a isso, apesar da pouca idade, Flávio tem bom conhecimento das coisas à sua volta”. Desafiado por ambas as professoras a abraçar a façanha, Flávio aceitou de pronto. E orientado pela dupla de mestras, iniciou sua pesquisa.

O processo, no entanto, foi muito mais árduo do que eles poderiam imaginar. “Precisamos correr contra o tempo. Era falta de informações, era uma biblioteca sem material nenhum, era outra biblioteca com material defasado. Além disso, grande parte dos textos que encontramos era em espanhol. Era necessário fazer uma tradução antes. O trabalho precisava ser entregue às 15h do dia 15 na Secretaria de Estado da Educação para chegar até dia 18 em Brasília. Só que quando olhávamos para o relógio, tínhamos quase certeza de que não daria tempo. Saímos daqui contando os minutos”, pontuou Josiane. “Foi uma luta tremenda. Em determinado momento, sentimos que o Flávio até ficou meio desmotivado. Quando o pendrive apagou o trabalho, por exemplo, foi muito difícil pra todo mundo. Mas o estimulamos a reiniciar do zero”, contou Lourdes, que não economizou esforços para sacudir o ânimo do aluno. “Desistir, nunca. Desistir, nunca. Era o que eu repetia pra ele”.

A persistência de Flávio se sustentava em uma rotina de várias idas e vindas à escola todos os dias. Após as aulas regulares pela manhã, ele voltava à tarde para a Vitória de Santa Maria para pesquisar e pedir ajuda às professoras. “Dávamos as diretrizes e dizíamos o que ele deveria pesquisar, mas o texto foi inteiramente dele”, disse Josiane. Algumas vezes, o esforço passava da hora. “Já chegamos a sair da escola 11 da noite”, contou Lourdes. Após a entrega feita no último minuto, alguns dias de apreensão e muitos ‘deveríamos’ e ‘poderíamos’, veio o resultado recompensador – e inúmeras reflexões acerca dele.

“Esse resultado é extremamente significativo. E o é não apenas por Flávio ser um aluno de escola pública, mas por ser aluno de uma escola pública do bairro Santa Maria, um lugar discriminado, periférico, estigmatizado. Essa conquista mostra que os jovens daqui são capazes sim e que podem mudar sua própria realidade”, frisou a professora de História. Para Lourdes, por sua vez, o resultado também ajuda a ampliar a credibilidade do ensino público. “Foi muito bom que esse resultado tenha saído de uma escola pública. Isso mostra que há sim salvação para ela. Grandes nomes do pensamento nacional saíram do ensino público, do meio do povo. E tenho certeza de que, para o Flávio, não vai ser só a viagem. Tenho certeza de que futuramente ele será recrutado, ‘pescado’ por algum pesquisador que irá descobrir seu potencial. Torcemos para isso”.

Herança

Com a classificação, não demorou muito para Flávio cair nas graças da imprensa. Vários repórteres e emissoras de televisão já haviam procurado ele e sua família. Por isso seria mais do que compreensível se sua mãe, a doméstica Rosimary Torquato dos Santos, dispensasse mais visibilidade para recobrar o velho sossego. Mas não é bem assim que as coisas funcionam com ela. “Cansada do assédio? Não, não, não… estou é muito feliz com isso. Sinto é orgulho de tudo o que está acontecendo. É inexplicável o que estamos sentindo, ver um filho chegar aonde chegou. Principalmente quando imaginamos o lugar em que a gente mora, né?… Que é um bairro… assim… humilde, né?”, declarou ela sobre o Santa Maria, onde Flávio mora com os pais, mais dois irmãos e uma irmã.

Com o peculiar testemunho de toda mãe, ela sabe exatamente de onde vem o talento de sua cria. “Desde criança que ele já tinha muito gosto pela leitura. Sempre que o procurávamos pela casa ele estava dentro do quarto com alguma história em quadrinhos, algum livro. Nos aniversários, ele sempre pedia um livro de presente. Só agora que ele andou querendo um computador… Como não temos condições, ele diz que se contenta com outro livro. E aí sempre damos um pra ele. Me sinto muito orgulhosa e feliz por ter um filho assim”.

Dona Rosimary destacou ainda o pioneirismo da nova aventura do filho. “Olha, do menor ao mais velho da nossa família, não tem ninguém que já tenha saído do país. Ele vai ser o primeiro de todos”. Também segundo ela, a conquista foi um passo fundamental para sua própria realização. “Na minha vida escolar, fui só até a oitava série. E a única herança que posso deixar pra ele e pra todos os meus outros filhos é o estudo. Quando ele estiver formado, minha missão estará cumprida”.

‘O negócio é saber dividir o tempo’

Econômico nas palavras mas ainda assim bem fundamentado, Flávio tem uma trajetória escolar simples. Além da Escola Vitória de Santa Maria, o jovem só havia estudado no Colégio Estadual Tobias Barreto. O que sempre o diferenciou dos demais alunos, na verdade, é justamente seu apego a um hábito particularmente impopular nos dias de hoje. “Gosto de ler tudo. Acho que quem lê sabe escrever melhor, escreve mais fácil. O primeiro livro que li na vida foi um de Paulo Coelho que meu pai tinha em casa. Já um dos que mais gostei foi ‘A Menina que Roubava Livros’. Atualmente estou lendo ‘Anjos e Demônios’, do Dan Brown. E mantenho uma boa frequência porque tenho cadastro na biblioteca Epifânio Dória. Assim, toda semana termino um livro e começo outro. É sempre um ciclo: termino um, começo outro. Já tem quase um ano que leio sem parar”, revelou.

Ele também contou como se identificou com um dos subtemas propostos no concurso. “Quando peguei a convocatória, li os três subtemas e um deles me chamou mais atenção: a história de três mulheres que lutaram pela independência da Argentina e da Bolívia [Macacha Guemez, Juana Azurduy e as mulheres de Cochabamba]. Li por alto sobre o assunto e ele me empolgou. Apesar de não serem citadas na maioria dos livros, elas foram importantes para a independência de vários países da América Latina”, disse o estudante, que pretende cursar História na universidade e se aprofundar na saga dos países latinos.

Sua rotina diária, por sua vez, é baseada na sede por conhecimento. Ele conta que, quando não está lendo livros, está navegando na internet em busca de sites sobre todo tipo de coisa. “Sou um grande frequentador de blogs, sobretudo variedades, curiosidades. Quando não estou com livros ou lendo coisas na internet, assisto filmes”, frisou. Já sua fórmula para gerenciar juventude e intensa disciplina é assustadoramente simples – mas, ainda assim, quase sempre esquecida por estudantes de qualquer nível e idade. “Acho que o negócio é saber dividir o tempo, né. O tempo de estudar, o tempo de brincar, o tempo de dormir. Porque veja só: um dia tem 24 horas. Dividindo isso por três, dá oito horas para cada uma dessas coisas. É só… não misturar”.

[/vc_column_text][/vc_column] [vc_column width=”1/3″][vc_column_text] [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Comments are closed.