Entrevista: coordenador nacional fala sobre política de humanização
Por Paloma Abdallah (Ascom FHS)
Em 2003, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Humanização (PNH). Pautada em melhorias tanto para usuários como para trabalhadores da saúde, a política já conseguiu colocar a humanização como tema de constates reflexões nas unidades de saúde de todo o país.
Nos dias 10 e 11 de junho, Sergipe recebeu o primeiro módulo do curso. A partir de uma parceria entre Fundação Hospitalar de Saúde (FHS), ministério e Universidade Federal de Sergipe (UFS), 42 profissionais de diversas unidades estão sendo formados para que sejam multiplicadores da PNH.
Doutor em Saúde Coletiva e coordenador nacional da política, Dário Pasche esteve em Sergipe para fazer abertura do curso. Na ocasião, ele explicou as diretrizes adotadas para garantir um tratamento mais humanizado. Veja a entrevista a seguir:
Secretaria de Estado da Saúde – O que é a Política Nacional de Humanização proposta pelo Ministério da Saúde?
Dário Pasche – É uma política do Sistema Único de Saúde criada em 2003, portanto muito recente. A PNH nasce por dentro da própria análise do SUS. Isso porque se um lado se reconhece que tivemos um conjunto muito grande de avanços, do outro lado sabemos que ainda há um conjunto grande de desafios e problemas que precisam ser superados. Ela é trabalhada para o usuário e para o trabalhador de saúde.
Podemos caracterizá-la como um movimento ético, político e institucional que visa colocar em discussão um conjunto de valores que ao longo dos anos parece que nós esquecemos no cuidado e na gestão no cuidado e na gestão. Boa parte das referências que nós temos enquanto trabalhadores da saúde é que a gente cuida de doença e de parte de corpo. Muitas vezes, esquecemos que cuidamos de pessoas com histórias muito singulares de vida. Portanto, a nossa relação não pode ser de tratar do outro, mas sim uma relação que se proponha a um encontro com o outro, que a gente possa ofertar a nossa expertise como trabalhador da saúde para produzir com o outro saúde.
SES – A partir da perspectiva do usuário, como essa política é desenvolvida?
DP – Os usuários reconhecem o SUS como um valor, como um sistema que reorganizou várias práticas. No entanto, muitos têm reclamado que o acesso ainda é dificultado, que muitas vezes ele não tem a informação que necessita e tem dificuldade de acesso ao profissional que cuida dele. Não serem chamadas pelo nome, não saber minimamente o que está acontecendo consigo, apesar de estar com o médico ou estar internado no hospital, são temas que começam a tomar o tema que começam a tomar o nome da desumanização.
Então, a humanização para o usuário é em primeiro lugar que ele tenha alguém que cuide e se responsabilize por esse cuidado. E não alguém que só cuide quando ele estiver doente, mas o cuidado dele na vida, que é um conceito novo que o SUS traz. A gente não deveria ser cuidado somente quando está doente porque boa parte das doenças é assintomática.
SES – E do ponto de vista de humanização para os trabalhadores?
DP – Quando pensamos em humanização não é somente para – mas que já seria muito – o usuário, mas repensar as relações de trabalho. E aí a PNH traz uma pauta bastante complexa que é pensar desde o tema da ambiência até chegar à democracia nas relações de trabalho. Temos dado ênfase a pensar novos dispositivos nos hospitais que permitam com que os trabalhadores da saúde participem da gestão dos hospitais, dos postos de saúde, do Samu.
SES – Qual é a sua avaliação desses primeiros anos de implementação da PNH?
DP – Percebemos que o tema da humanização tomou força no SUS. Hoje não há um hospital que não tenha preocupação de humanizar e que já não faça um tipo de experimentação. Inclusive fazendo a experimentação mais difícil que é se perguntar o que seria humanizar esse hospital.
O Ministério da Saúde, através da Política Nacional de Humanização, tem feito um trabalho de chegar junto a essas unidades não para ensinar. Na verdade, mostramos que só humanizamos se formos capazes de incluir outros valores na gestão e no cuidado.
Por incrível que pareça, nos séculos XX e XXI quase que fizemos clínica, medicina, enfermagem sem as pessoas. Existem certos modelos de clínica que nem precisa conversar com as pessoas. O médico olha para ela e pede exames. A partir daí prescreve medicamentos ou faço intervenções. O que nós chamamos atenção é que é preciso incluir. Isso significa atitudes menos prescritivas e com mais escuta.
SES – Como se formou essa visão de ‘desumanização’?
DP – Temos uma matriz teórica de compreensão da vida que vem dos séculos XVIII e XIX, onde a humanidade estava descobrindo os princípios da mecânica e da física newtoniana. Na medicina, a gente acabou dividindo o corpo em pedaços de tal forma que com a entrada das tecnologias fomos, cada vez mais, lidando com pedaços do corpo e não com a pessoa na sua completude.
Quando alguém fala que está sendo tratado de uma forma desumana, é porque a gente está mais preocupado com o fígado dele do que ele como pessoa. Começamos a tratar as pessoas como coisa. Nós insistimos em chamar as pessoas de diabéticos, as pessoas são pessoas que também têm diabetes e que temos que encontrar com elas formas de lidar com a diabetes.
SES – As tecnologias contribuíram com esse processo?
DP – Os equipamentos, os instrumentos, os insumos foram uma conquista da humanidade. Só que isso passou a fazer a mediação do médico e o paciente. Então, mais uma vez a gente desumaniza porque ao invés de produzir uma relação de troca com o outro o que a gente produz é uma relação mediada pelo exame, pelo equipamento. Neste exato momento, tem um monte de brasileiro deitado em máquina de tomografia que estão com medo de sofrer. A presença de um familiar, um olhar carinhoso, uma troca de conversa com um profissional da saúde seria um grande instrumento de saúde para minimizar esse sofrimento.
No entanto, outro elemento que no Brasil contribuiu para a desumanização foi a idéia de saúde como mercadoria. Nos anos 90, o SUS, como política pública, vem romper com essa teoria. Mas até então se você tinha alguma doença, a cura dependia da sua capacidade de bancar o atendimento. A partir desta visão, as pessoas além de serem coisas, seriam unidades monetárias. O SUS é uma política de humanização desde a sua nascença porque reconhece o direito universal à saúde.
SES – A formação é um dos caminhos para a consolidação desta política?
DP – O tema da formação é fundamental para humanização. De tal sorte que nós temos tomado ele como um instrumento importante de capilarização e de experimentação da PNH. No entanto, para nós o tema da formação tem alguns diferenciais. Muitas vezes a formação no campo da saúde é confundida com capacitação e com treinamento. Temos dito que capacitação é para descapacitados e treinamento é para aqueles que queremos que repliquem as mesmas atitudes. Não treinamos nem capacitamos. Nós formamos trabalhadores e gestores para que eles possam imediatamente experimentar dispositivos da humanização.
Formar, para nós, não é tirar o trabalhador do serviço, colocá-lo numa sala de aula, trazer pessoas inteligentes para ensinar como deve ser feito. O processo de formação é ao contrário. Trazemos os problemas e os trabalhadores têm contato com as diretrizes da humanização e vão experimentar imediatamente como se faz isso. Depois de nove meses de curso, nós já temos lá no hospital alguns resultados.
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